Especialistas
dizem que o mundo como conhecemos está a ponto de mudar - principalmente
radicalmente o modo como produzimos e trabalhamos.
Valeria Perasso BBC
A indústria como conhecemos será impactada por uma nova revolução
industrial (Foto: Amit Dave / Reuters)
No final do
século 17 foi a máquina a vapor. Desta vez, serão os robôs integrados em
sistemas ciberfísicos os responsáveis por uma transformação radical. E os
economistas têm um nome para isso: a quarta revolução industrial, marcada pela
convergência de tecnologias digitais, físicas e biológicas.
Eles antecipam
que a revolução mudará o mundo como o conhecemos. Soa muito radical? É que, se
cumpridas as previsões, assim será. E já está acontecendo, dizem, em larga
escala e a toda velocidade.
"Estamos a
bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma
como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, alcance e
complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano
tenha experimentado antes", diz Klaus Schwab, autor do livro "A
Quarta Revolução Industrial", publicado este ano.
A
industrialização mudará de uma maneira radical e, com ela, o universo do
emprego. Os "novos poderes" da transformação virão da engenharia
genética e das neurotecnologias, duas áreas que parecem misteriosas e distantes
para o cidadão comum.
No entanto, as
repercussões impactarão em como somos e como nos relacionamos até nos lugares
mais distantes do planeta: a revolução afetará o mercado de trabalho, o futuro
do trabalho e a desigualdade de renda. Suas consequências impactarão a
segurança geopolítica e o que é considerado ético.
E por que há
quem acredite que se trata de uma revolução?
O importante,
destacam os teóricos da ideia, é que não se trata de um desdobramento, mas do
encontro desses desdobramentos. Nesse sentido, representa uma mudança de
paradigma e não mais uma etapa do desenvolvimento tecnológico.
"A quarta
revolução industrial não é definida por um conjunto de tecnologias emergentes
em si mesmas, mas a transição em direção a novos sistemas que foram construídos
sobre a infraestrutura da revolução digital (anterior)", diz Schwab,
diretor executivo do Fórum Econômico Mundial e um dos principais entusiastas da
"revolução".
"Há três
razões pelas quais as transformações atuais não representam uma extensão da
terceira revolução industrial, mas a chegada de uma diferente: a velocidade, o
alcance e o impacto nos sistemas. A velocidade dos avanços atuais não tem
precedentes na história e está interferindo quase todas as indústrias de todos
os países", diz o Fórum.
Também chamada
de 4.0, a revolução acontece após três processos históricos transformadores. A
primeira marcou o ritmo da produção manual à mecanizada, entre 1760 e 1830. A
segunda, por volta de 1850, trouxe a eletricidade e permitiu a manufatura em
massa. E a terceira aconteceu em meados do século 20, com a chegada da
eletrônica, da tecnologia da informação e das telecomunicações.
Agora, a quarta
mudança traz consigo uma tendência à automatização total das fábricas - seu
nome vem, na verdade, de um projeto de estratégia de alta tecnologia do governo
da Alemanha, trabalhado desde 2013 para levar sua produção a uma total
independência da obra humana.
A automatização
acontece através de sistemas ciberfísicos, que foram possíveis graças à
internet das coisas e à computação na nuvem.
Os sistemas
ciberfísicos, que combinam máquinas com processos digitais, são capazes de
tomar decisões descentralizadas e de cooperar - entre eles e com humanos -
mediante a internet das coisas.
O que
acontecerá com o emprego?
O que vem por
aí, dizem os teóricos, é uma "fábrica inteligente". Verdadeiramente
inteligente. O princípio básico é que as empresas poderão criar redes
inteligentes que poderão controlar a si mesmas.
Os números
econômicos são impactantes: segundo calculou a consultora Accenture em 2015,
uma versão em escala industrial dessa revolução poderia agregar US$ 14,2
bilhões à economia mundial nos próximos 15 anos.
No Fórum Mundial
de Davos, em janeiro deste ano, houve uma antecipação do que os acadêmicos mais
entusiastas têm na cabeça quando falam de Revolução 4.0: nanotecnologias,
neurotecnologias, robôs, inteligência artificial, biotecnologia, sistemas de
armazenamento de energia, drones e impressoras 3D.
Mas esses
também serão os causadores da parte mais controversa da quarta revolução: ela
pode acabar com cinco milhões de vagas de trabalho nos 15 países mais
industrializados do mundo.
Revolução para
quem?
Os países mais
desenvolvidos adotarão as mudanças com mais rapidez, mas os especialistas
destacam que as economias emergentes são as que mais podem se beneficiar.
A quarta
revolução tem o potencial de elevar os níveis globais de rendimento e melhorar
a qualidade de vida de populações inteiras, diz Schwab. São as mesmas
populações que se beneficiaram com a chegada do mundo digital - e a
possibilidade de fazer pagamentos, escutar e pedir um táxi a partir de um
celular antigo e barato.
Obviamente, o
processo de transformação só beneficiará quem for capaz de inovar e se adaptar.
"O futuro
do emprego será feito por vagas que não existem, em indústrias que usam
tecnologias novas, em condições planetárias que nenhum ser humano já
experimentou", diz David Ritter, CEO do Greenpeace Austrália/Pacífico em
uma coluna sobre a quarta revolução industrial para o jornal britânico The
Guardian.
E os
empresários parecem entusiasmados - mais que intimidados - pela magnitude do
desafio, uma pesquisa aponta que 70% têm expectativas positivas sobre a quarta
revolução industrial.
Ao menos esse é
o resultado do último Barômetro Global de Inovação, uma pesquisa que compila
opiniões de mais de 4.000 líderes e pessoas interessadas nas transformações em
23 países.
Ainda assim, a
distribuição regional é desigual e os mercados emergentes da Ásia são os que
estão adotando as transformações de uma forma mais intensa que os de economias
mais desenvolvidas.
"Ser
disruptivo é o padrão modelo para executivos e cidadãos, mas continua sendo um
objetivo complicado de se colocar em prática", reconhece o estudo.
Os perigos do
cibermodelo
Nem todos veem
o futuro com otimismo: as pesquisas refletem as preocupações de empresários com
o "darwinismo tecnológico", onde aqueles que não se adaptam não
conseguirão sobreviver.
E se isso
acontece a toda velocidade, como dizem os entusiastas da quarta revolução, o
efeito pode ser mais devastador que aquele gerado pela terceira revolução.
"No jogo
do desenvolvimento tecnológico, sempre há perdedores. E uma das formas de
desigualdade que mais me preocupa é a dos valores. Há um risco real de que a
elite tecnocrática veja todos as mudanças que vêm como uma justificativa de
seus valores", disse à BBC Elizabeth Garbee, pesquisadora da Escola para o
Futuro da Inovação na Sociedade da Universidade Estatal do Arizona (ASU).
"Esse tipo
de ideologia limita muito as perspectivas que são trazidas à mesa na hora de
tomar decisões (políticas), o que por sua vez aumenta a desigualdade que vemos
no mundo hoje", diz.
"Considerando
que manter o status quo não é uma opção, precisamos de um debate fundamental
sobre a forma e os objetivos desta nova economia", diz Ritter, que
considera que deve haver um "debate democrático" em relação às
mudanças tecnológicas.
Por um lado, há
quem desconfie de que se trata de uma quarta revolução: é certo que as mudanças
são muitas e profundas, mas o conceito foi usado pela primeira vez em 1940 em
um documento de uma revista de Harvard intitulado A Última Oportunidade dos
Estados Unidos, que trazia um futuro sombrio para avanço da tecnologia e seu
uso representa uma "preguiça intelectual", diz Garbee.
Outros, mais
pragmáticos, alertam que a quarta revolução só aumentará a desigualdade na
distribuição de renda e trará consigo todo tipo de dilemas de segurança
geopolítica.
O mesmo Fórum
Econômico Mundial reconhece que "os benefícios da abertura estão em
risco" por causa de medidas protecionistas, especialmente barreiras não
tarifárias do comércio mundial que foram exacerbadas desde a crise financeira
de 2007: um desafio que a quarta revolução deverá enfrentar se quiser entregar
o que promete.
"O
entusiasmo não é infundado, essas tecnologias representam avanços assombrosos.
Mas o entusiasmo não é desculpa para a ingenuidade e a história está infestada
de exemplos de como a tecnologia passa por cima dos marcos sociais, éticos e
políticos que precisamos para fazer bom uso dela", diz Garbee.
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